Hoje, a produção de azeite no Brasil levou o país a integrar catálogos referência no mundo
A história do azeite no Brasil é recente e embora contenha altas doses de romantismo, não perde o fio econômico. As primeiras tentativas de produção surgiram nos anos 1950 em Campos do Jordão (SP) e Uruguaiana (RS), mas não foram adiante e viraram mato, literalmente. A Empresa de Pesquisas Agronômicas deMinas Gerais (Epamig) recolheu as variedades sobreviventes e iniciou um trabalho de pesquisas de campo que identificou a Serra de Mantiqueira como território fértil para as azeitonas. Os resultados preliminares empolgaram pequenos proprietários que buscavam alternativas de cultivo. Perto de 70 produtores iniciaram plantio no fim dos anos 90 em mais de 20 municípios, introduzindo a oliveira na bucólica paisagem de eucaliptos, jacarandás e cafezais da região.
Ao mesmo tempo, no extremo sul do Estado do Rio Grande do Sul, um número menor de produtores, mas com poder de investimento maior, aventurou-se na produção com amparo da Embrapa. Hoje, o Governo gaúcho está particularmente interessado na produção, pois a localidade é a região menos desenvolvida em agricultura do Estado e tem condições favoráveis para grandes plantações, sem contar o potencial de sinergias com a indústria do vinho que pode ser estabelecido.
Espaço para crescer é o que não falta. O Brasil, na melhor das hipóteses – não há estatísticas oficiais – produzirá algo em torno de 80 mil litros de azeite, uma gota no oceano de 80 milhões de litros de óleo de oliva consumidos anualmente no país, todo importado principalmente de Portugal e Espanha. Movimentando mais de R$ 1 bilhão, o mercado brasileiro triplicou na última década e ocupa hoje a 10ª posição no ranking global. Como o consumo per capita é de ínfimos 350 ml, contra 62 litros dos gregos, os campeões absolutos, acredita-se que o Brasil possa ficar entre os cinco maiores clientes de azeite do mundo, caso de aproxime da média anual de 1 litro por habitante dos Estados Unidos.
Para perseverar no mundo do azeite, porém, é preciso alguma dose de ousadia. “Apesar de a Embrapa não ter recomendado essa região, arriscamos o plantio em Barra do Ribeiro, perto de Porto Alegre, e pelo segundo ano consecutivo ele foi a salvação da lavoura. Nossa expectativa é produzir até 15 mil litros de azeite em 2016”, explica o produtor do azeite Prosperato, Rafael Marchetti, cuja família tem forte atuação no segmento de pinus e eucaliptos. O pomar principal da empresa fica em Caçapava do Sul, mais próxima da fronteira do Uruguai que, apesar das condições mais favoráveis para as oliveiras, enfrenta dois anos seguidos de problemas na safra.
Tropical e irreverente
Os efeitos do plantio nos biomas brasileiros são ainda incertos e levará algum tempo para saber exatamente o seu potencial produtivo. Na gastronomia, a curiosidade fica por conta dos sabores característicos que poderão estabelecer um futuroterroir brasileiro. Além disso, a possibilidade de mesclas inusitadas abre uma frente nova para o azeite feito aqui. A regra é experimentar sem preconceitos.
“O azeite brasileiro é atrevido mesmo. Os produtores aprendem fazendo na prática e já se começa a perceber notas muito particulares de sabor, como a goiaba, algo totalmente novo no repertório sensorial do azeite”, afirma Marcelo Scofano, degustador profissional e professor de gastronomia do Senac Rio. No ano passado, o “azeitólogo”, como se define, foi à Espanha com a mala cheia de rótulos brasileiros para a principal exposição de azeites do setor em Jaén, o epicentro da olivicultura no mundo. “Os degustadores ficaram surpresos em ver uma variedade koroneiki com sabor tão marcante e feita fora da Grécia”, lembra.
Fato novo na indústria, a produção nacional também despertou a curiosidade dos italianos, cujo prestígio no azeite se equipara ao dos franceses no vinho. Flos Olei, um dos mais prestigiados guias de azeites do mundo, incluiu no final do ano passado pela primeira vez cinco rótulos brasileiros no ranking, que só publica produtores que atingirem notas de 80 a 100. Olivas do Sul, a melhor colocada, não superou os 85 pontos, mas já é um começo.
Antes de conquistar o mundo, é preciso primeiro cair no gosto do brasileiro, que ainda vê a novidade como algo um tanto exótico. Criar uma imagem positiva passa pelo crivo da qualidade. A Assoolive, entidade que reúne mais de 40 produtores das serras da Mantiqueira e da Bocaina, estuda para o ano que vem a criação de um selo de qualidade para a região, que seguirá critérios mais rígidos em relação à legislação atual.
A ideia é que todos os produtos passem por uma avaliação independente do painel oficial de degustadores do Uruguai. “Nosso objetivo é que o selo seja uma garantia de qualidade e ajude a criar a ‘marca’ da Mantiqueira como produtor de azeites muito bem feitos”, explica Carlos Diniz, presidente da organização e produtor em Gonçalves (MG). Enquanto os selos e os prêmios não aparecem, o azeite brasileiro conta com o entusiasmo de chefs que buscam introduzir um novo sabor na gastronomia de origem nacional.
*Arnaldo Comin é jornalista e proprietário da Rua do Alecrim Azeites e Gastronomia
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