segunda-feira, 1 de abril de 2013

Azeite produzido em Maria da Fé entra na disputa por um mercado dominado pelos importados

Cidade do sul de Minas Gerais comemora o aumento no volume de produção do óleo de oliva

por Carolina Daher | 27 de Março de 2013
Victor Schwaner/Odin

O funcionário da Epamig Milton Santos nas estufas onde são cultivadas as mudas de oliveira e o produto já engarrafado: 140 reais por litro

Foram os padres jesuítas que trouxeram as primeiras oliveiras para o Brasil, no século XVI. Plantadas bem ao lado das igrejas, elas garantiam a produção das folhas que, nas escrituras sagradas, simbolizam bênção divina, prosperidade e perseverança. No período colonial, alguns fazendeiros chegaram a cultivar a planta, mas a atividade acabou proibida pela Coroa Portuguesa para proteger os interesses dos patrícios. Importadores do tradicional azeite português trataram de espalhar a lenda de que o solo daqui era impróprio para boas olivas. Séculos depois, Maria da Fé, município de 15 000 habitantes a 467 quilômetros de Belo Horizonte, vem provando o contrário. Na cidade tida como a mais fria do estado - fica na Serra da Mantiqueira, a mais de 1 200 metros de altitude -, as oliveiras estão por toda parte. As árvores de folhas cinzentas deixaram de ser enfeites de jardins e praças há menos de uma década, quando fazendeiros resolveram apostar na produção de azeite. Foi de lá que nasceu, em 2008, o azeite extravirgem brasileiro, aquele que é extraído da primeira prensagem das azeitonas e apresenta no máximo 0,7% de acidez. Na época, a notícia correu o país, mas o volume da produção era bastante pequeno. Cinco anos se passaram e agora Maria da Fé começa a ter números expressivos. A expectativa é que seus 700 000 pés de oliva rendam 10 000 litros de azeite em 2013, um aumento de 212% em relação ao ano passado.

O novo ritmo de produção é resultado dos investimentos da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), entre eles a importação de uma máquina extratora da Itália, em 2009. O equipamento, com capacidade para processar 100 quilos de azeitona por hora, atende os cerca de trinta produtores da região. “Eles trazem sua colheita e nós entregamos o produto, já engarrafado e lacrado, em troca de 20% da produção”, explica Alessandro Gonçalves Vicente, gerente da fazenda experimental da Epamig. O movimento começou em janeiro, com o início da colheita, e se estenderá até abril, quando os frutos deverão atingir o nível máximo de maturação. Em todas as fazendas, trabalhadores extras, conhecidos como safristas, foram contratados para dar conta do recado. “Daqui para a frente, teremos produções cada vez maiores”, aposta o pesquisador Luiz Fernando de Oliveira da Silva. Segundo ele, as oliveiras atingem sua maturidade produtiva aos oito anos de idade, quando chegam a produzir 20 quilos de azeitona por safra. No caso das lavouras de Maria da Fé, isso ocorrerá em 2015. Além de contribuir para a extração do azeite, a estatal mineira de pesquisa agropecuária tem sido responsável pelo fornecimento de mudas para quem quer apostar nesse tipo de lavoura. Em três estufas, são produzidas 20 000 mudas por ano, disputadas não só pelos fazendeiros da região, mas também por investidores que pretendem levar a expertise mineira para outros estados. “Temos uma encomenda de Santa Catarina de 4 000 mudas”, orgulha-se Milton Santos, o funcionário que cuida das estufas.

O aumento do consumo de azeite entre os brasileiros fez crescer o interesse pelas lavouras da região. Até gente que nunca havia posto as mãos na terra, como o cardiologista Sérgio Ribeiro Fiore, resolveu investir em oliveiras. Fiore tem 2 000 pés, que lhe rendem mais de 1 500 quilos de azeitona. Com base em seus conhecimentos de medicina, ele garante que o azeite contribui para o bom funcionamento do sistema digestivo, para o controle da pressão arterial e para o combate à osteoporose. “Os brasileiros andam cada vez mais preocupados em comprar produtos saudáveis. Acho que vai haver uma explosão de consumo de azeite.” Outra novata no negócio é a psicóloga Silvia Marques, que hoje divide seu tempo entre o consultório na capital paulista e o sítio que herdou do pai, na região da Mantiqueira. Com 1 500 pés plantados em seu terreno, Sílvia resolveu comprar a própria máquina extratora. “Estou me profissionalizando para oferecer um produto de qualidade”, diz.

Victor Schwaner/Odin

O pesquisador Luiz Fernando de Oliveira junto à máquina extratora: experiência pioneira na fazenda da Epamig


Para conquistar um mercado dominado pelos azeites importados, os produtores de Maria da Fé apostam na qualidade. A estratégia é oferecer um azeite extravirgem com acidez ainda mais baixa que a média de 0,7% da concorrência. “Os que são fabricados no sul de Minas têm 0,4% de acidez, alguns chegaram a ter a metade disso”, afirma o biólogo Nilton Caetano de Oliveira, presidente da Associação dos Ovicultores dos Con­­trafortes da Mantiqueira (Assoolive). Em breve, os produtores esperam comemorar uma importante conquista: ter o registro de indicação geográfica e a denominação de origem reconhecidos pelo Ministério da Agricultura. “Será uma forma de atestar a genuinidade e a qualidade do azeite que estamos produzindo”, explica o presidente da Assoolive. O biólogo garante que o mercado já reconhece o produto mineiro como um artigo raro e caro - o litro custa 140 reais nas fazendas produtoras da região. Segundo ele, chefs de cozinha e donos de empórios gourmets são visitantes frequentes. Por ora, para adquirir o azeite é preciso ir até a Serra da Mantiqueira. Há quem invista em novos usos. Uma década atrás, as farmacêuticas Andréa Machado e Vânia Gonçalves inventaram um creme à base de óleo de oliva. “Por ter ácido oleico, é um hidratante poderoso para a pele”, diz Vânia. Elas criaram então a linha Maria Oliva, que hoje tem dez itens, entre eles o sabonete em barra e o hidratante corporal. Quem quiser experimentar o primeiro extravirgem nacional terá uma boa oportunidade nesta semana, entre quarta (27) e domingo (31), durante o III Festival Gas­­tronômico de Maria da Fé. Os visitantes poderão conhecer um pouco sobre cultivo de olivas, participar de workshops sobre degustação e, claro, provar o legítimo produto nacional. Acreditem ou não os portugueses, espanhóis, italianos e gregos, nós também sabemos fazer azeite. E dos bons. n

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