quinta-feira, 21 de maio de 2015

Para recuperar o tempo perdido das oliveiras brasileiras

Por Paula MouraEspecial para o Estado 
Era proibido plantar oliveiras no Brasil até o período imperial. Isso explica porque o Brasil demorou tanto para entrar no agronegócio do azeite. Não por acaso, a produção nacional só começou depois da entrada no ramo de outros países da América Latina como Argentina, Peru, Chile e Uruguai.
Em 1940, mudas de oliveira foram trazidas por um português que veio ao País para trabalhar como administrador de uma fazenda em Maria da Fé (MG). Com o passar dos anos, as oliveiras foram estudadas na fazenda, que passou a pertencer ao governo federal e mais tarde se tornou a sede da Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig).
Desses estudos, surgiu a primeira variedade brasileira, a Maria de Fé, melhorada a partir das mudas de galeguinha portuguesa na década de 40. “Segregaram-se seleções em cima de seleções e hoje a genética da variedade Maria da Fé é diferente da galeguinha portuguesa, apesar de a base ser a mesma”, explica Luiz Fernando Oliveira, agrônomo da Epamig com mestrado, doutorado e nome dedicados à olivicultura. A Epamig também desenvolveu outras variedades brasileiras: grappolos 541 e 575, ascolano 315, entre outras.
O primeiro azeite 100% nacional foi extraído da instituição mineira em 29 de fevereiro de 2008. Já a primeira marca comercial surgiu em 2010 em Cachoeira do Sul (RS), com o Olivas do Sul, da família Aued. Nestes sete anos, a olivicultura mais que triplicou em área de cultivo em diversas regiões do País. E está só começando.

Azeite 100% brasileiro: extravirgem e extrafresco

Por Paula MouraEspecial para o Estado 
A produção de azeite brasileiro cresceu e melhorou. Pela primeira vez, é possível montar um painel de degustação de azeites feitos no País. Prensados e engarrafados em diferentes regiões.
Em comum, todos têm a cor viva e o aroma generoso que revelam de cara: o azeite é fresco. O curto intervalo de tempo entre o campo e o prato é o maior trunfo do azeite produzido no Brasil – os importados enfrentam uma longa jornada até chegar ao consumidor. E azeite, quanto mais novo, melhor.
A colheita nacional terminou entre março e abril e os azeites recém-extraídos já estão na prateleira. No caso dos importados à venda aqui, na melhor hipótese, foram prensados em novembro. E mais: os brasileiros, engarrafados pelo próprio produtor, escapam das fraudes e adulterações corriqueiras no mundo do azeite denunciadas no livro Extravirgindade, do jornalista americano Tom Mueller.
FOTO: Felipe Rau/Estadão
A produção de azeite brasileiro atingiu neste ano um nível de qualidade inédito. Pela primeira vez, o País participou do Salão Internacional do Azeite Extravirgem, em Jaén, na Espanha, no início do mês. O Brasil levou uma seleção feita por Marcelo Scofano, professor de gastronomia no Rio de Janeiro.
“Há predominância de azeite de fruta madura, com características suaves e delicadas, mas marcantes, uma vez que a grande parte dos produtores usa arbequina”, diz o especialista. Ele ressalta que a produção deste ano tem azeites de frutado verde com muita personalidade, produzidos em Caçapava do Sul (RS), na Bocaina e na Mantiqueira. Para Scofano, o azeite brasileiro promete boa evolução. “A personalidade sensorial do terroir brasileiro está em formação, mas tem características muito próprias.”
Crescimento. As duas maiores regiões produtoras de azeite no País – Serra da Mantiqueira e sul do Rio Grande do Sul – já somam cerca de 20 plantas de refino, ou lagares. “Antes, o desafio era saber se a oliveira seria capaz de produzir em escala comercial em condições climáticas e solo brasileiro”, diz Paulo Freitas, degustador profissional de azeites. A confirmação já veio, agora o momento é de buscar a afirmação. “Temos pelo menos cinco marcas consolidadas no mercado. No ano passado, eram só três”.
Várias marcas nacionais de azeite ainda são vendidas apenas localmente ou nas próprias fazendas. E algumas poderão demorar para chegar às lojas.
Outra novidade é a certificação de marcas de azeite orgânico no País. “Havia um grande questionamento se seria possível produzir azeite orgânico no Brasil devido ao clima úmido. Mas neste ano, dois produtores já conseguiram certificação”, comemora Freitas.
“Cada safra é uma degustação nova, estamos descobrindo os sabores”, conta Carlos Diniz, presidente da Associação dos Olivicultores dos Contrafortes da Mantiqueira (Assoolive), que tem 45 associados entre Minas Gerais e São Paulo.
Em busca do azeite brasileiro
Para montar esta seleção de azeites nacionais, dois especialistas visitaram produtores nas três regiões produtoras do País e escolheram os melhores. Paulo Freitas é degustador e Arnaldo Comin, dono do empório Rua do Alecrim, primeira loja da cidade especializada em azeites brasileiros. O repórter Daniel Telles e a repórter Paula Moura também participaram da avaliação. Veja a seguir os azeites extravirgens brasileiros que vale conhecer.
FOTOS: Daniel Teixeira/Estadão
BORRIELLO
Carla Retuci largou o mercado financeiro para fazer azeite com o marido, Mario Borriello, em Andradas (MG). Neste ano, compraram a prensa e estão prensando arbequina e grappolo na fazenda, aberta a visitação.
Degustação
Blend grappolo e arbequina: frutado e amargor médios, leve picância. Equilibrado.
Informações:
Tel.: 98282-0872
R$ 36,90 (250 ml, no Empório Rua do Alecrim); R$ 68 (500 ml, n’A Queijaria)
OLIQ
Três apaixonados por São Bento do Sapucaí (SP), Vera Masagão, Antônio Batista e Cristina Vicentin resolveram produzir azeite de arbequina numa propriedade na região. Plantam também koroneiki, grappolo e Maria da Fé. Fazenda é aberta a visitação.
Degustação
Grappolo: frutado médio a alto, amargor e picância leves. Notas de castanhas.
Informações:
R$ 33,90 (250 ml, no Empório do Alecrim); R$ 49 (250 ml, n’A Queijaria)
OLIVAIS DA BOCAINA
Aníbal Cury e Dominique Pierre Faga são donos da Olivais da Bocaina, em Silveiras (SP). Produzem azeites de arbequina e grappolo e esperam a frutificação de koroneiki. Há visitas guiadas e degustação.
Degustação
Grappolo: frutado e amargor médios e picância de leve a média. Tem boa complexidade.
Informações:
R$ 35 (250 ml, direto com o produtor); R$ 38,90 (250 ml, no Empório Rua do Alecrim)
OURO DE SANT’ANA
Depois de 40 anos em uma multinacional, o agrônomo peruano Fernando Rotondo se instalou em Santana do Livramento (RS), plantou koroneiki, arbosana, coratina, arbequina, picual e frantoio. Neste ano, engarrafou azeites de arbequina e coratina, mais picante.
Degustação
Arbequina: frutado médio, amargor e picância leves.
Informações:
R$ 24,90 (250 ml, no Empório Rua do Alecrim) e R$ 35,30 (500 ml, no Empório Santa Luzia)
PROSPERATO
A primeira safra comercial da família Marchetti foi em 2013. Além das três variedades disponíveis no mercado – arbequina, arbosana e koroneiki –, já têm olivais de picual, frantoio, manzanilla, coratina e galega. Recebem visitas no lagar em Caçapava do Sul (RS).
Degustação
Koroneiki: frutado, amargor e picância médios. Boa persistência de sabor. Blend arbequina e arbosana: frutado, amargo e picância médios.
Informações:
Preços ainda não definidos. A safra 2015 chega em julho no Empório Rua do Alecrim
FAZENDA MARIA DA FÉ
Reflorestadores, os Bonifácios se depararam com uma fazenda de olivais abandonados em Maria da Fé (MG). Apostaram no negócio e produzem azeite de arbequina, grappolo, koroneiki e coratina. Agora, buscam certificação orgânica. Aberta à visitação.
Degustação
Coratina: Frutado médio, amargor de médio a intenso, picância de média a intensa. Muito intenso. Para alguns, amargo demais.
Informações
11 99991-7608
R$ 35 (250 ml, com o produtor)
VERDE OLIVA
O casal Newton Litwinski e Fátima Garcia produz azeite orgânico numa fazenda em Delfim Moreira (MG). Aceitam encomendas por correio e fazem visitas agendadas.
Degustação
Arbequina: frutado leve, amargor leve a médio, picância leve.
Informações
tel.: 35 3624-1334
R$ 50 (250 ml, direto com o produtor)
PAIOL VELHO
Na propriedade da família de Luiz Menezes, em Cristina (MG), são plantadas azeitonas de quatro variedades. Sua primeira produção comercial, neste ano, é pequena (100 litros), mas deve crescer em dois anos.
Degustação
Blend de grappolo e koroneiki: frutado de leve a médio, amargor médio e picância leve. Bem equilibrado.
Informações
tel.: 12 99719-2083
R$ 70 (500 ml, direto com o produtor)
EPAMIG
A empresa produz azeites de seus olivais experimentais e também processa azeitonas de produtores da região.
Degustação
Maria da Fé: frutado médio, amargor leve e picância de leve a média. Notas verdes de azeitona, folhas verdes e maçã verde.
Informações:
tel.: 35 3662-1227
R$ 35 (250 ml, direto do o produtor)
COMO DEGUSTAR AZEITE
Tripé
As principais características sensoriais do azeite são notas frutadas, amargor e picância. E são esses elementos que se deve buscar ao provar um azeite. Quanto mais fácil surgirem os atributos, mais novo o azeite.
Frutado
Pode ser sentido no aroma e no sabor e está diretamente ligado ao frescor. Pode ser mais ou menos intenso, remeter a fruta verde ou madura, pode lembrar campo, tomate, amêndoas ou até chocolate. A presença de frutado é indicador de qualidade, azeite sem fruta não é bom. Mas tanto faz o tipo de fruta.
Amargor
É sentido sobre a língua e pode ser mais ou menos intenso. Um bom azeite deve apresentar equilíbrio entre o amargor e a picância.
Picância
É sentida quase na garganta. A intensidade depende da variedade da azeitona. Amargor e picância intensos vão bem com pratos mais condimentados.
Cor
Tom esverdeado indica que o azeite foi recém-espremido. Com o tempo, que pode variar de seis meses a um ano, o óleo vai ficando mais dourado.
E a acidez?
Não é perceptível ao paladar. Trata-se de um parâmetro químico que determina a quantidade de gordura do azeite. Se for menor que 0,8%, o azeite é extravirgem. Quanto menor a acidez, melhor o azeite, mas não se trata de critério absoluto. O degustador Paulo Freitas ressalta: “um azeite com 0,2% de acidez pode ser menos agradável e até ter defeitos comparado ao que tenha 0,5%”.

Para o azeite brasileiro, quantidade não é o negócio

Por Paula MouraEspecial para o Estado 
A maior parte do azeite consumido no Brasil é importada de Portugal, Espanha e Itália. Em 2014, o Brasil se tornou o décimo maior consumidor mundial de azeite, ultrapassando Portugal em números absolutos e o mercado tende a crescer, pois o consumo per capita ainda é considerado pequeno.
Mas os produtores dos azeites brasileiros não olham para quantidade. “Não temos como competir com o azeite do supermercado e nem queremos isso. Nossa proposta é um produto de qualidade superior”, diz Carlos Diniz, da Assoolive.
Apesar da alta qualidade comprovada em testes químicos, o Brasil ainda não tem um painel de avaliação sensorial ligado ao Conselho Internacional do Azeite (IOC, na sigla em inglês), que avalia em degustação os atributos de aroma e sabor. “A diferença da análise química para a de um painel é considerar a análise sensorial, ou seja, defeito zero e frutado maior que zero”, ressalta Diniz.
A Assoolive planeja organizar seu primeiro painel independente em julho, convidando especialistas brasileiros e do exterior. Ao mesmo tempo, iniciaram um processo de identificação geográfica e de origem para a região dos contrafortes da Mantiqueira.
O brasileiro tem:
Frescor. Os olivais são em pequenas propriedades próximas a lagares, o que garante a rapidez entre colheita e prensagem das azeitonas. Isso evita oxidação, o que aumenta a qualidade do azeite.
Variedades. A variedade mais plantada por aqui é a espanhola arbequina, suave. Mas também são cultivadas a espanhola arbosana, a grega koroneiki, a italiana grappolo e a brasileira Maria da Fé, entre outras.
Futuro. Daqui para a frente, a produção deve aumentar. Com o envelhecimento dos olivais, a produtividade das árvores fica maior.